terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tente outra vez

Desde que aumentou o número de aulas a tarde, e pouco estou pernoitando em Salvador, tem sido freqüêntes as minhas viagens de ônibus. Bem, costumo entrar neles bem cansada, e normalmente fico folheando o caderno, tentando lembrar as coisas que vi durante o dia. Mas a viagem de hoje foi um pouco peculiar.
Resolvi desviar minha atenção do livro que lia para a rua. Quatro e meia da tarde, orla de Salvador. Aquele movimento intenso de pessoas dentro do ônibus, típico do horário, e entra, então, um baleiro. Suas balas, segundo ele, afastavam inclusive gripe. De repente entra um outro baleiro, e, sem ver seu colega ( que, ao que me parece, não se conheciam), grita "Boa tarde". Ao avistar o outro, desistiu da venda, riu e sentou-se. A situação repetiu-se três vezes. Nenhum ousou oferecer seus produtos, a concorrer, a ofertar preços mais baixos dentro do mesmo coletivo. Respeitou-se o outro. Bem, perdoe-me ir tão fundo, mas parei para pensar. Meu Deus. Todos eles precisam daquele dinheirinho, por menor que seja. Aquela viagem tinha sido uma viagem perdida, poderiam estar vendendo suas guloseimas em outra condução. Todos eles desejam voltar para casa com suas cestinhas vazias. Não só desejam, trata-se de necessidade. Entretanto, nem isso aguçou neles o espírito competitivo, e, por vezes, destruidor. Hum, será que nós, vestibulandos, não estamos levando essa história de concorrência de vestibular muito a sério? Será que estamos esquecendo que somos, antes de tudo, colegas?
Bem, sigo na minha viagem. E algo que eu ainda não havia reparado - a orla de Salvador está CHEIA de plaquinhas "imprópria para banho". Meu Deus (2). Passar a tarde em Itapoã é também passar a tarde em um mar de merda agora? Começo a pensar na possibilidade de trabalhar com Direito Ambiental. Oh, teimosia de querer mudar o mundo!
Por fim, a cena que, sem dúvida, mais chamou a minha atenção. Todos nós já tivemos nossas casas invadidas por notícias de televisão sobre a demolição das barracas de praia. Pois bem, eu defendi, bati pé, achei correta toda a ação. Justamente para evitar quadros como o retratado há pouco. A praia estava virando uma favela, e, como diz meu avô, quem faz remendo na calça dos outros, perde a calça e o remendo. Mas só hoje eu vi de perto o que está acontecendo. O cheiro forte da fumaça me chamou a atenção. Estavam queimando alguns entulhos. Um senhor de meia idade tirava mesas plásticas da calçada e as colocava em uma caminhonete. Estava com o rosto choroso. Naquele momento, estava no chão a sua barraca, o seu emprego, e o seu sustento. O que será da vida dele agora? Confesso que, apesar de todos os argumentos que eu tenho, senti pena. Então, o que farão com esses novos desempregados, que engrossarão os números da nossa cidade? Nada. Infelizmente. A coisa da calça e do remendo estão valendo, não haverá indenização, e, ao que sei, o juíz não quer nem isopores na areia.
Vim pensando em tudo isso no resto do meu percurso. Quanta coisa passa batida aos nossos olhos durante o dia. Maldita cegueira. Ao chegar bem próximo do meu destino, um dos meus companheiros de viagem sacou do bolso um MPTudo e, superando a minha expectativa, pôs para tocar Tente outra vez, do Raul Seixas. Nossa, era Tudo que eu precisava. Tremenda coincidência. Será que eu serei capaz de sacudir o mundo ?